Combate à pobreza rural é foco de diversas pesquisas

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Combate à pobreza rural é foco de diversas pesquisas da Fundação João Pinheiro

Valorização das mulheres no campo e do Vale do Jequitinhonha estão entre temas trabalhados. Estudos e diagnóstico da vulnerabilidade são fundamentais para nortear políticas públicas

 

Em janeiro de 2016 era promulgada pelo governador Fernando Pimentel a Lei 21.967, que atualizava o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) 2016-2027. Formulado sob a coordenação da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) e da Fundação João Pinheiro (FJP), o plano teve envolvimento de todas as secretarias estaduais, seus órgãos associados e também participação efetiva da sociedade, por meio da interação direta nos Fóruns Regionais de Governo, realizados em todos os 17 Territórios de Desenvolvimento do estado.

Com o propósito fundamental de fixar as estratégias para a promoção do desenvolvimento econômico e social a longo prazo em Minas Gerais, o PMDI estabeleceu, entre diversas metas, o objetivo de redução da pobreza rural, a partir de 30 ações e três eixos de atuação: acesso a serviços públicos, benefícios e transferência de renda (assistência social, educação e saúde); inclusão produtiva (assistência técnica rural e extensão rural, segurança alimentar e nutricional, trabalho e renda); e infraestrutura (energia, saneamento e transporte).

Muitas destas ações tiveram papel fundamental da Fundação João Pinheiro. “Em consonância com este propósito nós coordenamos, nesta gestão, diversas pesquisas – sempre em parceria/alinhadas pelas secretarias estaduais e também pela sociedade – de suma importância para a construção de políticas públicas efetivas no combate à pobreza rural”, destaca o presidente da FJP, Roberto do Nascimento Rodrigues.

Um exemplo de demanda - gerada a partir do objetivo estratégico estabelecido no PMDI - foi a construção, pela fundação, do Diagnóstico Multidimensional da Pobreza Rural, a pedido da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), dentro da Estratégia Novos Encontros, desenvolvida pela secretaria para o enfrentamento da pobreza no campo.

“O diagnóstico foi pensado a partir da necessidade de aprimorar o conhecimento da realidade socioeconômica da população vulnerável do campo. Antes de contratar o diagnóstico junto à FJP, a secretaria fez um recorte territorial prioritário, usando dados de concentração de pobreza e extrema pobreza e de população rural, tanto do CadÚnico quanto de indicadores de vulnerabilidade social”, explica o diretor de Programas de Enfrentamento da Pobreza no Campo da Sedese, Matheus Fernandes Nascimento.

Para a construção do documento, concluído em 2017, priorizou-se a região do semiárido, os territórios Norte, Mucuri, Rio Doce, Alto Jequitinhonha e Médio e Baixo Jequitinhonha, totalizando 229 municípios.

Segundo Nascimento, o documento foi fundamental para ampliação do conhecimento sobre este público. “A Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo tem por escolha metodológica integrar ações de diversas instituições do Estado que têm como público a população do campo, entendendo a situação de pobreza dessas pessoas como multidimensional, não apenas vinculada à renda”, explica.

“Por isso, inclusive, adotou-se a perspectiva da integração de políticas públicas e ações já em curso, tornando-as mais efetivas e focalizadas. O Diagnóstico foi relevante, por exemplo, na criação do Plano Estadual de Enfrentamento da Pobreza no Campo, projeto de lei 4736/2017, em tramitação na ALMG”, destaca Nascimento.

O documento fornece indicadores relativos ao analfabetismo, à escolaridade formal, à qualificação profissional, ao acesso ao trabalho e ao trabalho precoce, à evasão escolar, à mortalidade infantil, ao déficit habitacional, ao acesso adequado ao saneamento básico, à eletricidade e a bens duráveis, e à renda familiar per capita das populações. O resultado foi dividido em três volumes, que podem ser acessados aqui.

 

Mulheres do campo

Outro importante eixo de pesquisa conduzido pela Fundação João Pinheiro surgiu a partir de uma demanda da Articulação de Mulheres do Campo de Minas Gerais, apresentada ao governador Fernando Pimentel em 2015, sobre a necessidade de construção de um diagnóstico que traçasse um panorama das reais necessidades das agricultoras familiares.

A pesquisadora da FJP e criadora do Grupo de Pesquisa Estado, Gênero e Diversidade (Egedi), Ana Paula Salej, frisa que, em reuniões com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (Seda) – que solicitou a elaboração da pesquisa por parte da fundação – as lideranças dos movimentos deixaram evidente que as mulheres do campo e sua contribuição na economia agrária eram invisíveis.

“A ausência de dados e informações era, ao mesmo tempo, causa e consequência da falta de reconhecimento que sustenta essa invisibilidade e dificulta o estabelecimento de políticas públicas efetivas para essas mulheres”, reitera Ana Paula.Combate à pobreza rural é foco de diversas pesquisas da Fundação João Pinheiro

Segundo ela, as estatísticas colhidas mostraram que a realidade das mulheres no campo é diferenciada. “Enquanto no estado as mulheres são maioria, no campo são minoria. A proporção de domicílios chefiados por mulheres na área rural também é menor do que na área urbana, e enquanto nas cidades a proporção de mulheres de 15 anos ou mais, economicamente ativas, mas sem rendimento, é de 11,12%, nas áreas rurais essa proporção é de 23,82%”, diz a pesquisadora.

“A ausência de rendimento entre as mulheres do campo, entretanto, quase nunca significa falta de atividade ou de contribuição econômica. Como a produção para o autoconsumo e a troca não são atividades ‘monetarizadas’, sua contribuição econômica fica invisível e sua autonomia econômica cerceada. Ou seja, há uma contribuição econômica que é efetiva, mas como ela não é mensurada torna-se inexistente aos olhos de muitos companheiros”, completa Ana Paula.

Ana Paula ressalta que, com o estudo, foi possível perceber também que as políticas públicas para o campo nem sempre alcançam as mulheres de forma adequada. Somente 12,2% dos estabelecimentos agropecuários são de propriedade das mulheres. O acesso das mulheres à terra, por sua vez, se dá prioritariamente através de herança (62,3%) ou compra de particular (38,3%). Apenas 0,2% das mulheres conseguiram suas terras através de crédito fundiário.

Dos contratos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma importante ação criada pelo Governo Federal para a ampliação da comercialização dos produtos da agricultura familiar, somente 26%, entre 2011 e 2015, foram firmados por mulheres. “Essas agricultoras receberam 25% do valor contratado, sendo o valor médio dos contratos de PAA firmados com as mulheres 5% inferior àqueles encontrados nos contratos fechados com os homens”, alerta a pesquisadora.

A chefe da Coordenadoria das Mulheres do Campo da Seda, Aline Alda, realça que o principal propósito do diagnóstico é retirar essas mulheres da invisibilidade e mostrar a importante contribuição de seus trabalhos para a agricultura familiar mineira. “A partir deste material foi eminente a ampliação da participação dos movimentos das mulheres do campo nos espaços institucionais do poder executivo do Estado”, frisa Aline.

Uma das demandas, desdobrada por meio do fortalecimento desse vínculo, foi a criação de uma feira agroecológica e de economia feminista de agricultoras familiares, intitulada Feira Mineira das Mulheres do Campo, que teve a sua 1ª edição realizada em Belo Horizonte em novembro do ano passado, com 50 empreendimentos representados por 100 produtoras da agricultura familiar de diversas regiões de Minas Gerais.

“A feira é um significativo instrumento de fortalecimento da agricultura familiar, bem como de fomento à inclusão produtiva e autonomia econômica das agricultoras familiares”, destaca Aline.

A coordenadora estadual das Mulheres Trabalhadoras da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), Alaíde Moraes, comenta que a Articulação de Mulheres do Campo de Minas Gerais, da qual a federação faz parte, trabalhava apenas com suposições no que tangia à realidade de vida das mulheres rurais.

“Não tínhamos nenhuma pesquisa nesse sentido. Nós temos uma tripla jornada de trabalho, pois trabalhamos dentro de casa, cuidamos da família e trabalhamos na roça. Mas nunca tivemos essa visibilidade. Quando a gente teve a oportunidade de construir esse material juntos, nos sentimos valorizadas. Muitas mulheres do campo se despertaram, conseguiram se ver com orgulho de ser trabalhadora rural. O resultado prático para nós é o reconhecimento disso como uma profissão. E esperamos que tenhamos mais políticas públicas específicas para a frente”, diz Alaíde.

 

Trajetórias de vida

Na primeira fase do projeto envolvendo a temática mulheres do campo foi realizada uma análise quantitativa de abrangência estadual com a recuperação de dados estatísticos e de registro disponíveis sobre essas mulheres, como destacado acima.

Já na segunda, a partir de visitas locais e entrevistas de história oral, foi produzido um livro intitulado “Mulheres do Campo de Minas Gerais: Trajetórias de Vida, de Lutas e de Trabalho com a Terra”, coletiva de 12 mulheres de comunidades rurais dos municípios de Belo Horizonte, Porteirinha, Santa Fé de Minas, Montes Claros, Itinga, Diamantina, Passa Tempo, Itueta, Campo do Meio, Divino, Espera Feliz e Simonésia. Também foram construídos 12 livretos voltados à educação infanto-juvenil.

Em parceria firmada com a Rede Minas, as histórias dessas mulheres foram registradas também em vídeos, veiculados no programa “Mulhere-se” na série Mulheres do Campo de Minas Gerais.

“Enquanto o diagnóstico foca em dados e estatísticas, este segundo trabalho foca na trajetória de vida dessas mulheres, destacando seu trabalho na terra e desafios. Os três materiais produzidos se completam e integram um esforço de levar para o máximo de pessoas possível essas histórias, reduzindo a invisibilidade dessas mulheres”, acrescenta a pesquisadora Ana Paula.

O material foi distribuído para órgãos estaduais, escolas estaduais e instituições de pesquisa em todo o Brasil e no exterior. O diagnóstico, o livro, os livretos e o conteúdo audiovisual produzido pela Rede Minas estão disponíveis para download aqui.

 

Desenvolvimento do Vale do JequitinhonhaCombate à pobreza rural é foco de diversas pesquisas da Fundação João Pinheiro

De acordo com o último Censo do IBGE, 770 mil pessoas vivem nos 59 municípios localizados no Vale do Jequitinhonha, e 38% delas estão no meio rural, percentual duas vezes maior do que o observado para o estado. Em termos econômicos, respondem por 1,3% do PIB mineiro.

Pensando em definir estratégias para nortear ações voltadas para o desenvolvimento sustentável da região, em outubro de 2017 o Governo de Minas Gerais, por meio da Fundação João Pinheiro, lançou o Plano de Desenvolvimento para o Vale do Jequitinhonha (PDVJ), focado nos territórios Alto e Médio/Baixo Jequitinhonha, realizado em parceria com a Cemig Geração e Transmissão S.A., financiadora da iniciativa.

O plano, que envolveu ampla participação da população, contemplou a análise das demandas apresentadas durante a realização dos Fóruns Regionais. As propostas foram divididas em cinco eixos: recursos hídricos, desenvolvimento produtivo, desenvolvimento social, infraestrutura econômica e gestão municipal.

Composto por seis volumes, o PDVJ abrange Estratégias e Ações; Demografia e atividades econômicas principais: estudos de base; Diagnósticos propositivos dos setores produtivo, social, de infraestrutura econômica e de gestão municipal; e o registro técnico e documental das Oficinas Participativas realizadas nesses Territórios de Desenvolvimento. Além destes volumes, foi também produzido um almanaque de divulgação.

De acordo com o pesquisador da FJP, Alexandre Queiroz, o PDVJ dá direções para se avançar na elaboração de políticas públicas para o Jequitinhonha. “O plano foi muito bem feito, em dois anos, e envolveu dezenas de pesquisadores. Fizemos estudos, viagens de campo, práticas participativas com a população. Implementar o plano como um todo, de forma sistêmica, será um ótimo avanço para a região”, afirma.

A moradora de Felício dos Santos e participante das oficinas de construção do PDVJ, Fabiana Gomes, destaca a possibilidade de participação popular na construção do PDVJ. “Muitas vezes, a gente pensa em desenvolvimento olhando para fora. A gente tem que começar a olhar para nossa própria região e criar maneiras de nos unir e nos fortalecer dentro do Vale, criando políticas públicas voltadas para os interesses reais da nossa região, transformando nossas dificuldades em competências”, pontua.

O material pode ser acessado por este link.

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